20 de jun. de 2012

Armando Mendes

Vai o homem, fica a mensagem
                                   José Seráfico
 

Quando se reduz qualquer prognóstico otimista da reunião Rio Mais Vinte, desaparece um dos maiores propugnadores de uma economia menos desigual. Refiro-me ao professor Armando Dias Mendes, falecido na última sexta-feira, em Brasília.

Desde a obra que o revelou como intelectual preocupado com os destinos da Amazônia que lhe serviu de berço, Armando Mendes percorreu trajetória que o torna um dos nomes referenciais na compreensão da realidade da região.

Pouco foi meu contato com ele, quando eu ainda vivia no Pará, terra que nos deu chão, do nascimento até certa altura de nossa adultez. Cada qual a seu tempo.

Universitário ainda, sabia da presença na diretoria da Faculdade de Ciências Econômicas da UFPA, do autor de Viabilidade econômica da Amazônia e, depois, de A invenção da Amazônia. Sabia-o, também, destacado líder católico e político de carreira fugaz. Não era nas tribunas parlamentares que Armando poderia desenvolver sua curiosidade por compreender a Amazônia, nem alcançar a formulação de propostas que a fizessem superar as dificuldades políticas, sociais e econômicas que marcam a região.

Seguindo caminhos diversos, ele e eu, em 1974 e 1966, respectivamente, buscamos outros espaços onde a sobrevivência pessoal e familiar e o compromisso com a luta social encontrassem campo propício.

Vim bater em Manaus, oito anos antes que Armando se transferisse para Brasília. Um aparente plágio de sua obra A invenção da Amazônia inaugurou amizade superior a qualquer divergência política ou religiosa. Pediu-me ele, quando do lançamento de livro com o mesmo título do seu, que lhe enviasse um exemplar. Solicitava, ainda, que eu conversasse com a autora, minha colega na UFAM (Neide Gondim), para esclarecer o suposto plágio. As explicações da autora, uma intérprete da Amazônia como criação literária, logo foram compreendidas por Armando. Ele, então, estabeleceu uma pena: o autógrafo de Neide. O livro lhe foi enviado, e ele se deu por satisfeito.

Mais tarde, na qualidade de ex-presidente do Banco da Amazônia, ele foi chamado a coordenar a edição de obra comemorativa dos sessenta anos do estabelecimento. A então Fundação Djalma Batista – FDB (hoje chamada Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera – FDB) foi escolhida para tornar realidade o projeto que o ex-presidente persuadira o banco a editar.

Os meses que passamos, Armando e eu, a articular com os redatores dos diversos textos, contatar com as instâncias do BASA, os editores e demais pessoas envolvidas no projeto, serviram-me à certeza de estar diante de raro exemplar da espécie humana. Quase vinte anos mais novo que ele, jamais senti a imposição de uma só idéia ou sugestão. Buscava imitar-lhe, porém, o entusiasmo nem sempre fácil de captar, o compromisso com o desvendamento da realidade regional, o rigor científico exigível em trabalho de tamanha envergadura.

Vários foram os resultados desse trabalho cooperativo, nos planos institucional, intelectual e pessoal. Se, por um lado, o Banco da Amazônia conseguia oferecer uma obra destinada a servir de referência aos que buscam conhecer a região em que atua, os autores dos textos puderam sentir o reconhecimento de seu esforço em concorrer para a interpretação da própria história da Amazônia. Do ponto de vista pessoal, posso dizer que a aproximação com Armando despertou em mim o interesse por assuntos que só episodicamente atraiam minha atenção. Dentre eles, o das relações economia-ambiente. Mais que isso, do aproveitamento das potencialidades que a região oferece, superados os valores coloniais que explicam a submissão e a exploração costumeiras.

A casa e suas raízes (CEJUP, Belém, PA, 1996), nesse sentido, foi pioneira. Ali estão propostas que, hoje largamente utilizadas como slogans, antecipam os cuidados com o Planeta, a casa de todos nós.

Já no seu Amazônia modos de (o)usar (Valer, Manaus, AM, 2001), Armando Mendes chama a atenção para os potenciais amazônicos ainda por explorar, e sugere como fazê-lo.

Mais poderia ser dito sobre o homem que desapareceu no último 15 de junho de 2012. Nada, porém, mais exato que constatar o empobrecimento intelectual desta vasta região, tão necessitada de estudiosos e políticos (porque Armando, mesmo sem mandato, nunca deixou de sê-lo) que busquem para ela o que todos afirmam ser o seu destino.

Vai-se Armando Dias Mendes, mas permanece conosco a mensagem por ele deixada.